Os governos federais, por meio do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, liberaram quase 5 mil agrotóxicos no Brasil desde 2000, quando o Executivo iniciou a contagem. Naquele ano, foram liberados 82 inseticidas. Em 2021, foram 562 do último ano, o que representa aumento de 5.563% na liberação desses produtos. A gestão presidencial que mais abriu as portas foi a de Jair Bolsonaro, com mais de 1.500 defensivos agrícolas.
Agrotóxicos são produtos usados para matar carrapatos, fungos, insetos e larvas com o objetivo de controlar as doenças provocadas por esses vetores e regular o crescimento das plantações, seja no ambiente rural ou urbano. Os defensivos estão relacionados ao setor de produção – desde a preparação do solo ao beneficiamento das pastagens.
No Brasil, 4.644 agrotóxicos estão liberados para uso, seja em atividades agrícolas ou não. Desses, 1.560 foram concedidos por Bolsonaro – o presidente iniciou seu governo, em 2019, com a liberação de 475 produtos, seguido de 493, em 2020, 562, em 2021, e 30 nesses três primeiros meses do corrente ano.
Os dados foram obtidos pela reportagem com base na Lei de Acesso à Informação. Do total de agrotóxicos liberados, 1.082, ou 23,30%, são considerados extremamente tóxicos à saúde e 117, ou 2,52%, ao meio ambiente.
“Talvez no futuro tenhamos desenvolvido outras tecnologias mais avançadas e que dispensam o uso de agrotóxicos no país, no entanto, hoje, esses produtos são uma espécie de mal necessário, porque são essenciais para a sustentabilidade agrícola. Sem eles, acredito que estaríamos passando fome, uma vez que atingem as mais diversas cadeias de produção de alimentos”, afirma o professor da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária da UnB (Universidade de Brasília) Ricardo Carmona.
Apesar do alto número de produtos liberados no país, o professor alerta que muitos desses agrotóxicos possuem o mesmo princípio ativo – Carmona exemplifica com o glifosato, herbicida mais vendido no Brasil. O produto, no entanto, é alvo de diversos questionamentos por ser controverso e já teve o uso proibido por outros países, como a Áustria.
Para receber o aval de liberação, o agrotóxico passa por avaliação de três ministérios: Agricultura, Saúde e Meio Ambiente. Nos dois últimos casos, pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), respectivamente. Enquanto a Agricultura investiga a efetividade para matar doenças do campo, a Anvisa analisa os riscos à saúde e o Ibama, ameaças ambientais.
“Os defensivos agrícolas em si não constituem o problema principal, e sim o uso inadequado, como o descarte de embalagens da forma errada ou o despejo do pulverizador no rio. Obviamente que uma tecnologia, qualquer que seja, mal-usada trará impactos negativos para a sociedade, especialmente a que mora próxima aos lugares em que agrotóxicos são usados”, afirma Carmona.
Se os quase 5 mil de agrotóxicos não são suficiente, a Câmara dos Deputados aprovou recentemente projeto de lei, em tramitação desde 2002, que facilita a liberação de defensivos agrícolas e flexibiliza o controle dos pesticidas no Brasil. Com o texto proposto, os produtos não precisarão passar pela Anvisa e pelo Ibama para serem liberados. A matéria está em análise no Senado Federal.
Impacto
O Brasil consome, em média, 7,5 kg de defensivos agrícolas por habitante a cada ano, de acordo com estudo elaborado pela organização não governamental Humans Rights Watch.
A constatação partiu de uma entrevista feita de julho de 2017 a abril de 2018 com pessoas de diversas regiões do país. A organização mostra, ainda, que os defensivos causaram problemas de saúde em brasileiros que vivem principalmente em áreas rurais.
Segundo a organização, a enorme quantidade de agrotóxicos usados no Brasil é impulsionada pela expansão da agricultura monocultora em grande escala. “De todos os agrotóxicos vendidos no país, cerca de 80% são usados em plantações de soja, milho, algodão e cana-de-açúcar”, diz.
O uso massivo e a exposição aos agrotóxicos no país podem causar impactos severos na saúde dos brasileiros, dependendo do produto utilizado, do tempo e da quantidade absorvida.
“Em todos os sete locais [da pesquisa], as pessoas descreveram sintomas consistentes com a intoxicação aguda por agrotóxicos após verem pulverização de agrotóxicos nas proximidades, ou sentirem o cheiro de agrotóxicos recentemente aplicados em plantações próximas. Esses sintomas geralmente incluem sudorese, frequência cardíaca elevada e vômitos, além de náusea, dor de cabeça e tontura”, aponta o relatório.
“A exposição crônica a agrotóxicos é associada à infertilidade, a impactos negativos no desenvolvimento fetal, ao câncer e a outros efeitos graves à saúde – e mulheres grávidas, crianças e outras pessoas vulneráveis podem enfrentar riscos maiores”, completa.
Outro lado
Em nota, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento argumentou que a alta registrada na liberação dos agrotóxicos reflete os pedidos feitos e que essas demandas vem das empresas.
“O principal fator da recente alta foi o decreto nº 5.981 de 2006 que alterou a forma de avaliação dos produtos técnicos permitindo o registro de produtos técnicos por equivalência. Como há necessidade de análise dos estudos apresentados pelas empresas interessadas, o volume de análise foi se acumulando. Com mais produtos técnicos no mercado, há mais opções para a preparação das várias formulações possíveis para o agricultor”, argumenta.
“Um mesmo produto técnico pode permitir formulações diferentes (registros de produtos formulados diferentes). Por isso, também, se observa mais produto formulado registrado do que produto técnico. Mas só o formulado é usado pelo agricultor. Produtos técnicos não são comercializados, não estão disponíveis para o mercado O produto técnico pode ou não se tornar um agrotóxico no futuro, tendo que passar novamente pela análise dos três órgãos”, acrescenta.
A pasta relata, ainda, que o país é uma referência mundial na utilização de agrotóxicos. “Somente em 2019, foram mais de 23 milhões de hectares que utilizaram a tecnologia, segundo informações da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária)”, disse, acrescentando que levantamento da FAO, das Nações Unidas, indica que o Brasil ocupa a 27ª posição entre os países que mais utilizam agrotóxicos por hectare no mundo.