Pergunte àquele amigo que se autodenomina “cinéfilo” o que ele pensa ao ter que citar astros italianos de filmes italianos. Provavelmente, ele vai falar de Marcello Mastroianni, Vittorio Gassman e Giancarlo Giannini. Realmente a filmografia desses se confunde com o Cinema da “Reppublica Italiana”.
O meu ponto aqui, no entanto, é lembrar de um que parte da cinefilia ignora, desconhece ou finge ignorar e desconhecer. Para situar você, vamos pensar pouco no cinema popular de lá e começaremos com a explosão dos faroestes que foram apelidados de Spaghetti Westerns nos anos 60 e 70, ok?
Geralmente “disfarçadas” de produções americanas (frequentemente com americano em começo de ascensão – Clint Eastwood em “Por um Punhado de Dólares” ou algum veterano com a carreira ladeira abaixo – Cameron Mitchell em “Minnesota Clay”), ou algum europeu com pseudônimo anglicizado que se passasse pelo “biotipo anglo-saxão” (o ítalo-croata Gianni Garko, rebatizado “John Garko” em “Johnny Texas”, o veneziano, filho de alemã, Mario Girotti em “Viva Django!”, mais tarde consagrado, como Terence Hill por exemplo, etc).
Muito influenciados por “Bullitt” e “Operação França”, no começo dos anos 70, foram popularizados os Polizzioteschi, dramas policiais italianos que substituíam os cavalos no deserto espanhol da Almeria – locação dos faroestes europeus que simulava o Texas –, por Fiats 1100D nas caóticas ruas de Palermo e Milão, respectivamente. “Por Ordem da Cosa Nostra” e “O Vingador Anônimo” exemplificam esse violento subgênero.
Nos anos 1980, seguindo a recepção comercial de “Caçadores da Arca Perdida”, “Conan, o Bárbaro” e o australiano “Mad Max” vieram, respectivamente, “Caçadores da Cobra Dourada”, de Antonio Margheritti, usando o nome Anthony M. Dawson; “Thor, o Conquistador”, com o galã de fotonovelas Bruno Minniti, creditado aqui como Conrad Nichols e “Exterminadores do Ano 3000”, realizado por Giuliano Carmineo, vulgo Jules Harrison, só para citar alguns dos muitos títulos.
Dos filmes da América do Norte que mais geraram clones mediterrâneos, certamente estão “Warrior – Os Selvagens da Noite”, “Fuga de Nova York” e “Rambo – Progamado para Matar”. Dentre os mais assistidos estão, “1990 – Os Guerreiros do Bronx” e sua sequência, “Fuga do Bronx” (inspirados por Warriors e Fuga) e estimulado pelo êxito de Stallone, Thunder – um Homem Chamado Trovão (também conhecido como Thunder – o Homem Trovão, produção que gerou duas sequências!).
Agora, finalmente, vamos para o astro italiano dessas aventuras, Mark Gregory (batizado como Marco de Gregorio). Lá por 2006, eu descobri que eu não era o único que se perguntava, “Por onde anda o astro dessas séries passadas no Bronx e desse Rambo da Europa?”. Ao me deparar com a página The Hunt for Trash (www.bronxwarriors.co.uk/huntfortrash.htm), criada pelo expatriado americano Lance Manley, e ver que ninguém teria ideia de onde estaria. Longe de ser bom ator, o que faltava a ele em técnica interpretativa sobrava em presença.
Com uma filmografia de apenas 10 filmes mas com grande parte destes entre os favoritos do grande público nas exibições em cinemas do centro de Porto Alegre (lembro das falecidas telonas dos cinemas Cacique, Scala e São João exibindo vários destes longas) e através de reprises na TV, e em sessões improvisadas em casa via fitas VHS. A minha adolescência nos anos 1980 teve uma relação indissociável com esses produtos.
Outros filmes em que ele apareceu foram “Adam and Eve Vs The Cannibals” (uma releitura de Adão e Eva para deixar qualquer criacionista de cabelos em pé, já que a trama também copiou elementos de “Lagoa Azul” e de filmes de catástrofe setentistas, como “Delta Force Comando” (parcialmente rodado na Costa Verde carioca, tratando do roubo de bomba nuclear); “Tan Zan – Ultimate Mission” (coprodução com os norte-coreanos sobre a caça a um cientista tentando criar a raça superior; “Just a Damn Soldier/Un Maledetto Soldato”, cuja premissa incluía ouro roubado vendido para afegãos; “War Bus” (novamente os rebeldes afegãos em pauta. Desta vez, interagindo com um ônibus em área de guerra).
Sumido desde 1989, o meu xará (Marco/Mark), foi finalmente encontrado há poucas semanas. Eu fui informado por Roberto Zanni (outro viciado em cinema), e Massimo Bianchi. Eles são os responsáveis pelo portal cinemaitalianodatabase.com. Pois é, depois de extensivo trabalho digno de detetive, eles encontraram o túmulo do romano e souberam que ele se suicidara no ano de 2013. Na época, ele tinha 48 anos. Era depressivo e passava por muitas dificuldades financeiras.
Segundo relatos de vizinhos na comunidade de Castel Madama, distante 30 km de Roma, ninguém ali sabia que ele havia trabalhado em cinema e ele, por sua vez, tinha uma vida muito reservada.
Pelo jeito, ele não era diferente de vários dos seus personagens durões. Ele também era uma pessoa solitária. E assim partiu, sendo enterrado sem a presença de nenhum amigo ou parente por perto.
Riposare in Pace.
* Formado em Cinema pela Columbia College em Hollywood. Cursou Publicidade na Ufrgs e Direção de Atores em Cuba. Atualmente, fala sobre canções dos anos 50, 60, 70 e 80 na rádio Voz Açoriana e sobre Cinema e TV na Rádio Equipe FM.